Etapa 3: Aguieira-Góis

Esta foi uma etapa bem curta. Curtinha. Mas que esteve quase para não acontecer, porque no dia que estava agendada tivemos problemas complicados num dos nossos projetos profissionais. Foi um dia tão esgotante e stressante que duvidámos de que iríamos conseguir ultrapassar a questão em tempo útil de voltarmos à estrada, à Estrada Nacional 2. Felizmente, tudo termina bem quando acaba bem, não é? E, assim, no dia 11 de Dezembro, lá conseguimos meter rodas ao caminho. Já sentíamos falta de mais estrada, de mais fotografia, de mais pedaço de Portugal.

O plano era partirmos do ponto anterior, junto à albufeira da barragem da Aguieira, com destino a Góis. Ainda franzimos o sobrolho, pois parecia um trajeto tão curto que suspeitámos que antes do almoço estaria concluído – com jeitinho ainda chegávamos a Faro. Ou quase… Puro engano! Revelando já um pouco do final, chegámos a Góis já mesmo em cima da hora, da hora em que o dia dá lugar à noite. Foi, portanto, rés-vés.

A dificuldade, do ponto de vista fotográfico – afinal, para além de querermos usufruir do que a Estrada Nacional 2 oferece, queremos fotografá-la e fotografar o que está ali bem junto a ela – tem sempre a ver onde vamos iniciar o nascer do dia e onde gostaríamos de o concluir. Sem conhecermos os locais e, neste caso, a estrada, só podemos contar com a ajuda do nosso amigo Google, embora sirva para ficarmos com uma ideia aproximada, porque depois, no local, muitas vezes temos de mudar de planos.

E foi exatamente o que nos aconteceu no início desta etapa. O sítio que vimos no Google Maps revelou-se pouco prático, com pouco potencial fotográfico, pelo que tivemos de, rapidamente, analisar uma alternativa. Mas com alguma chuva a cair, ainda de noite e sem conhecermos nada do local onde nos encontrávamos, restou-nos… improvisar. Ali bem perto tínhamos a barragem do Coiço e um caminho que nos parecia levar até um ponto onde poderíamos ter uma vista do rio e da Estrada Nacional 2.

Barragem do Coiço a pouca distância da EN2

Literalmente, era mesmo um caminho. Daqueles caminhos que de tão pequenos que são, nunca podem aspirar a mais do que ser apenas um caminho. E, por ter estado (e por estar) a chover, estava lamacento, aqui e ali com grandes poças de água que para as ultrapassar era fechar os olhos e arriscar. Correu bem.

Não foi o melhor local que já encontrámos para fotografar. Mas foi o que nos acolheu de braços abertos para aquela manhã, para aquele amanhecer. Para sermos sinceros, também já estivemos em sítios bem menos atrativos.

Panorâmica do local onde fizemos o nascer do sol nesta terceira etapa
O Maurício usando o drone para conseguir perspetivas diferentes
O Hugo aproveita os primeiros raios de sol

E, curiosamente, por ali ficámos bem mais do que tínhamos planeado. Com a chuva a desaparecer e com os primeiros raios de sol a quererem abrilhantar o dia, fomos esticando ao máximo, entretidos entre máquinas fotográficas, drone e paisagem. E sons de pássaros. E uma leve brisa. E algum silêncio, só rompido pelos automóveis que, ao longe, percorriam a “nossa” estrada. Em breve juntar-nos-íamos a eles, para mais uns quantos quilómetros de Portugal.

Amanhecer junto ao rio Mondego, com a EN2 ao longe
Mondego à primeira luz do dia
O Hugo aproveita para registar o que nos rodeia, incluindo esta casa em ruínas

Não são precisos muitos quilómetros para entrarmos num pedaço de terra espetacular. Podia ser cenário de filme, de uma qualquer grande produção cinematográfica. Podia ser o que quisesse, a Livraria do Mondego. Este monumento natural não marca apenas a paisagem das margens do Mondego junto a Penacova. Este monumento marca-nos também a nós. Apetece ficar ali a contemplar esta “estante” colocada ali bem ao lado da Estrada Nacional 2, com os seus “livros” tão bem organizados.

A EN2 serpenteia a paisagem junto ao Mondego, por baixo da IP3

Pedaço de EN2, a estrada mítica que nos transporta de Chaves até Faro
Paragem obrigatória para quem percorre a EN2
Uma “livraria” mais natural é impossível
Aproveita para descer até bem junto ao rio e embrulha-te neste bocado de natureza
Quem terá deixado tão bem escondida esta alminha?

O sol já está alto demais para o nosso gosto, mas a luz ainda continua agradável. O ideal era se a luz estivesse perfeita, com as cores do nascer ou final do dia – sonho de qualquer fotógrafo, principalmente quando se fala de paisagem -, mas fotografar a EN2 só nestas duas alturas do dia era por si só outra aventura. Uma coisa de cada vez, por favor… 🙂

E por ali nos entretemos. E por ali convidamos que te entretenhas quando por lá passares. Não te fiques por um mero: “oh, que lindo!”, “que espetacular!”, “que dádiva da natureza!”. Pára, escuta e olha, sem medo de que algum comboio apareça. Senta-te junto à margem e ouve a água que passa. Aconchega-te e deixa que a natureza te abrace.

Num abrir e fechar de olhos estamos a poucos minutos das 11 da manhã. Já!? E a poucos minutos de Penacova. Tão poucos que, quando damos conta, já lá estamos. Sentados. A (finalmente) tomar o pequeno-almoço.

Já em Penacova

Com as baterias (nossas, não as das máquinas) a deixarem de estar no vermelho, fomos ver o que se via do Miradouro de Penacova, ou Mirante Emídio da Silva, ali por baixo do tristemente abandonado Hotel de Penacova, num ponto privilegiado da Vila – o mais alto, por sinal.

Miradouro de Penacova, local que não pode deixar de visitar
O outro nome por que é também conhecido o miradouro
Imponente e decadente. Lamentável o estado em que se encontra esta preciosidade…

Abrindo aqui um parêntesis, custa-nos imenso ver, ao longo da Estrada Nacional 2, ou a muito poucos quilómetros de distância, tantos e tantos edifícios abandonados à sua sorte. E, quase todos, de traço elegante, imponentes, com pose, ainda que agora lhes restem apenas, e em muito mau estado, a roupa que traziam no corpo.

Do Miradouro miramos uma paisagem deslumbrante. A Estrada Nacional 2 passa ali em baixo, aqui, ou neste dia, com pouco trânsito. Quase todos preferem a sua irmã mais nova, mais rápida. Felizmente ainda há quem prefira ser levado pela experiência…

Penacova é bem mais gira do que pensávamos. Às vezes só temos de olhar com atenção. E sentir os locais. E as gentes. E a D. Maria, vendedora de tremoços que não nos deixou passar sem nos abordar. Estaríamos ali a fazer um “filme”? Pretenderíamos filmá-la, a ela, que já apareceu em tantos sítios, até na Internet? Foram os 10 minutos mais bem investidos nessa manhã. Talvez no dia inteiro. Ficámos a conhecer um pouco mais da sua vida. Foi-nos colocada ali, não exigimos nada. Assim são as gentes puras, as nossas gentes que, de tão sinceras, nos oferecem mesmo sem pedirmos. É melhor assim. É mais natural. Somos mais humanos. Os tremoços, esses, podiam ser como todos os tremoços. Mas estes, os da D. Maria da Luz, vieram acompanhados de estórias. Tiveram outro sabor. Genuíno.

Vila Nova de Poiares, a senhora que se seguia. O pequeno-almoço, embora tardio, já quase se evaporara por entre as calorias perdidas. Estacionado o carro, tínhamos duas sugestões de restaurante para enfrentarmos. Ambos bem referenciados e, quando assim é, ou atiramos moeda ao ar, ou pedra-papel-ou-tesoura, ou… um-dó-li-tá. Nunca falha. A escolha: Taberna do Niz. No quadro colocado à porta, riscado a giz, a ementa parecia torturar-nos… Nem vale a pena resistir, mais vale entregar o corpo ao sofrimento. Entrámos, subimos ao primeiro andar e fomos simpaticamente atendidos, num espaço não muito grande, mas acolhedor, quase familiar. Primeiro, sopa da pedra. Depois, grelhada mista. Mas tudo muito bem confecionado, com gosto, com sabor. Quando saímos, com a fatura do almoço da mão, ainda estivemos para voltar atrás, para perguntar se não tinham cobrado o almoço a apenas um de nós. Mas o papel (como o algodão) não engana e lá estavam assinalados dois almoços. Se houvesse categoria BBB (Bom, Bonito, Barato) para restaurantes, o Taberna do Niz preencheria todos os requisitos.

Restaurante onde almoçámos nesta etapa. Aconselhadíssimo!

Dias antes, depois de publicarmos uma imagem na nossa página do Facebook, o Rogério, do Central Bar, ponto obrigatório de paragem ao Km 248, enviou um convite para conversarmos um pouco sobre a Estrada Nacional 2, sobre os nossos (nosso e dele) projetos, sobre coisas. Entre ideias daqui, outras dali, de histórias engraçadas e curiosas, tirámos a foto da praxe e, como as horas não esperam por nós, tínhamos de seguir caminho, para conseguirmos chegar a tempo ao destino.

Voltinha por V.N. de Poiares
Nós e o Rogério, do Central Bar, no Km 248

Góis esperava por nós. Mas ainda tinha de esperar mais um bocadinho. O sol começava a ficar cada vez mais baixo e a cor de final de dia ainda mais laranja. Tínhamos pressa, mas ainda parámos por duas vezes, porque a paisagem gritava para ser fotografada. Como sempre ouvimos dizer, mais vale um pássaro na mão, do que dois a voar. O que a Mãe Natureza nos apresentava era tão forte, tão belo, que era impossível resistir e não parar o carro. A luz estava simplesmente maravilhosa. Todo o cenário era deslumbrante. Nem demos pelo tempo passar, mas ele passou e, depois de olharmos para o relógio, concluímos que não dava para ficarmos mais. Estávamos no Km 264, exatamente depois do marco que assinala os 264 Km da Estrada Nacional 2.

Já a caminho de Góis ainda parámos por duas vezes para fotografar com uma luz fantástica

A nossa estrada, a EN2
Que luz fantástica. Obrigado, Mãe Natureza!

Góis. Como podemos colocar por palavras o que sentimos em Góis. Não é fácil. Ou até é, porque chegámos a colocar e hipótese de convidarmos as nossas mulheres a mudarmo-nos para lá. É uma vila pequena e não muito distante de Coimbra, distrito da qual faz parte. Tem charme e é bonita. Não sei se encantados pelas ruas estreitas e bem cuidadas, se pela bela Ponte Real e os seus três arcos, que une as margens do rio Ceira, se pela Capela de São Sebastião que toma conta de um dos lados da ponte, se das Gamelinhas de Góis, doce típico a que não conseguimos resistir. Incrivelmente, só depois de termos iniciado esta aventura pela Estrada Nacional 2 ouvimos falar nas Gamelinhas, neste doce, que é tão agradável e que não fica nada a dever a tantos outros que encontramos por este país fora. Talvez com uma estratégia de marketing mais afinada e as Gamelinhas podiam pensar em outros vôos. A nossa simbólica ajuda fica aqui: não podes passar nunca, mas mesmo nunca, por Góis e deixar de provar as Gamelinhas de Góis. Sem nenhuma base científica, parece que fazem muito bem. Ao espírito fazem, de certeza 🙂 . Tanto, que não hesitámos em proporcionar esse bem estar à família, levando uma caixa com mais algumas unidades, da pastelaria Kentidoce. Famílias felizes, homens felizes!

Góis está empenhada em divulgar bem a EN2, o que se nota neste elegante e cuidado marco colocado ao Km 270
Ponte Real, em Góis
Igreja Matriz

E o dia estava feito. A etapa também. Não foram muitos quilómetros, mas foram cheios. De imagens. De pessoas. De conversas. De boa gastronomia e doçaria. De sentimentos. É esta a magia, só pode ser isto magia, da Estrada Nacional 2.

Agora vamos aproveitar esta época natalícia para oferecermos todo o nosso tempo à família, aos amigos, à alegria, ao convívio. A Estrada Nacional 2 estará lá, à espera de nós, à espera de todos. Mal podemos esperar para nos aventurarmos por mais uma etapa, mais caminho, mais quilómetros, mais Portugal. 

Até lá, que esperamos que seja em breve, resta-nos desejar a todos os que nos seguem nesta aventura fotográfica, um Feliz Natal! Daqueles mesmo felizes! 

Pode interessar-te:

Nascer do sol: junto à Barragem do Coiço, numa estrada de terra batida, junto a uma casa abandonada, com vista para a Estrada Nacional 2, Rio Mondego e, do lado oposto, a barragem do Coiço.
GPS: 40°18’49.3″N 8°14’25.5″W (40.313704, -8.240418)

Livraria do Mondego: atenção que é quase imperativo parares aqui na tua viagem pela EN2. Não deixes de investir largos minutos a explorar esta “pequena” área, a sentires o rio, a natureza.
GPS: 40°17’03.3″N 8°15’50.2″W (40.284246, -8.263955)

Penacova: visita a pequena vila, vê se por lá encontras a D. Maria da Luz e os seus tremoços e vais deslumbrar-te com a paisagem que alcanças desde o Miradouro de Penacova. Não fiques triste com o estado do “imponente” hotel que se degrada mesmo nas tuas costas. Pode ser que um dia ganhe nova vida. Merece!
GPS: 40°16’13.8″N 8°16’36.0″W (40.270497, -8.276662)

Vila Nova de Poiares: Podes visitá-la em pouco tempo. Não demoras muito a conhecer os seus cantos. Se a fome apertar mesmo, não podemos deixar de aconselhar o restaurante Taberna do Niz. Se queres apenas passar um bom bocado a beber algo, ou a comer uma sandes de leitão, ou falar sobre a Estrada Nacional 2, o Central Bar, do Rogério, é o local certo para ti.

Taberna do Niz
Rua Humberto Delgado
Poiares
239 422 823
GPS: 40°12’36.0″N 8°15’33.2″W (40.210009, -8.259220)

Central Bar
Praça Luís de Camões
Vila Nova de Poiares
Km 248

Góis: não podes deixar de fotografar a Ponte Real e as suas pequenas ruas. O rio que passa logo ali em baixo. A Capela de São Sebastião, ou a Igreja Matriz de Góis. E não podes mesmo deixar de provar as Gamelinhas. Pode ser mais do que uma, que compreendemos perfeitamente. Sugerimos a pastelaria Kentidoce, mas certamente encontrarás noutros locais. Aqui fomos muito bem atendidos.

Pastelaria Kentidoce
Rua Comandante Henrique B B Neves 2
3330-316 Góis
235 771 897
GPS: 40°09’18.8″N 8°06’37.2″W (40.155215, -8.110327)

One Reply to “Etapa 3: Aguieira-Góis”

  1. […] quase tudo foi dito no post anterior. A etapa que nos levou da Aguieira até Góis foi cheia de surpresas, como aliás foram as etapas […]

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