Etapa 7: Montemor-o-Novo – Faro

Não foi nada fácil começar a escrever sobre esta última etapa da nossa aventura fotográfica pela EN2. Parece que perdemos o ritmo, o embalo, que foi sendo ganho ao longo das seis etapas anteriores. Aliás, toda esta etapa nos pareceu como se estivéssemos a começar. E, vendo bem, não anda muito longe da verdade.

Entre a sexta etapa e esta última passaram três anos. Exatamente três anos! Incrível como o tempo passa e nem damos por isso. Mas até demos. Foram três anos atípicos, em que, graças a um vírus que começávamos a temer no início de 2020, parámos no tempo. Ainda nos lembramos de, já no Alentejo, no local escolhido para pernoitarmos na etapa 6, conversarmos com a proprietária do espaço e de ela nos dizer que por ali ainda estava tudo calmo, sem nenhum caso. Depois dessa noite, tudo mudou para pior, em cada região do país, em Portugal e em todo o mundo.

Com o desconfinamento e largadas as “amarras” que nos prenderam por tanto tempo, por diversas vezes estivemos para concluir a nossa aventura. Contudo, por questões pessoais e profissionais não foi sendo possível, até agora, até ao início deste ano de 2023.

Escolhida a data, foi tempo de tentar esquecer o passado recente e abraçar a restante estrada que nos faltava fazer e que nos levaria de Montemor-o-Novo até ao Km 738, em Faro. Tínhamos dois dias inteiros para fazer o percurso. Estávamos novamente entusiasmados e, ao mesmo tempo, com um sentimento de uma quase absoluta saudade desta aventura fotográfica. O fim da viagem pela EN2 estava ali, próximo, muito próximo.

Revimos os planos, selecionámos e limpámos o equipamento fotográfico. Baterias carregadas e malas com roupa para dois dias feitas. Tudo alinhado para partirmos para mais quilómetros de estrada, não só os que nos faltava, fazer da EN2 (aproximadamente 200 kms), mas também os que nos conduziriam até Montemor-o-Novo e depois de Faro novamente até nossas casas. Seis da manhã, cada um despede-se das suas famílias e partimos na esperança de ter sorte com o tempo.

A caminho de Montemor falámos sobre tudo, mas seguia connosco aquela impressão de que parecia estarmos a fazer isto pela primeira vez. Fomo-nos esquecendo de registar alguns momentos, não partilhamos quase nada no Instagram, ao contrário do que havíamos feito nas etapas anteriores. Não que fosse uma coisa importante, mas era (é) uma forma de nos conectarmos com quem nos seguiu até aqui.

Se tudo corresse normalmente, no primeiro dia (23 de fevereiro) estava programado o percurso Montemor-o-Novo e Almodôvar, onde pernoitaríamos. No Google Maps estavam assinalados alguns locais onde pretendíamos parar, mas todos sabemos que uma coisa é olhar para um mapa, por melhor que este seja, outra bem diferente é estar nos sítios. Por isso, fomos parando mais vezes do que tínhamos inicialmente pensado, mas que em nada atrasou o nosso plano.

A primeira paragem dá-se em Torrão, pequena vila tipicamente alentejana. É manhã cedo e não se vê quase ninguém na rua, nem na estrada. Ali bem ao lado existe a Albufeira de Vale de Gaio, que pretendíamos fotografar. Antes de entrarmos na vila, paramos o carro junto à Capela de São João Nepomoceno, ou São João da Ponte. Tem umas mesas para piquenicar e espaço suficiente para levantarmos o drone. Está um carro aí parado, com o único ocupante a usufruir da música do autorádio. Ouvem-se os pássaros e as folhas das árvores tocam-se com o vento. Muito vento. E frio. O sol não é suficiente para aquecer, apenas para nos alegrar a alma.

Os drones (sim, deste vez levámos dois, pelo sim, pelo não) chegam onde nós não conseguimos chegar e mostram-nos uma paisagem fantástica. Ali, “bem perto”, está a albufeira e, logo ao lado, Torrão. Cortar a vila, a nossa estrada, a EN2. Fotografamos, fazemos uns vídeos e entramos vila adentro, quais forasteiros. Pouca gente. Talvez contássemos umas cinco ou seis pessoas, não mais do que isso. Estacionamos o carro e embrulhamo-nos nas pequenas e estreitas ruas. As casas, branquinhas com o típico traço amarelo ou azul basalto lembram-nos onde estamos. É impossível serem de outro lugar que não do nosso Alentejo.

A esta hora do dia, a luz não é, definitivamente, a melhor para a fotografia, mas é impossível estarmos em todo o lado às horas certas – se fosse possível, os resultados seriam outros, bem mais ao nosso gosto. Certa é a fome que começava a surgir. Entramos num café, pedimos algo para comer e sentamo-nos para dois dedos de conversa. Reparámos que, sendo a sétima etapa, depois de tanto tempo parados, parecia como se fosse a primeira. O ritmo a fotografar, a olhar, a procurar, não era definitivamente o mesmo. Como se costuma dizer, a prática faz a perfeição – embora, no nosso caso, perfeição seja uma palavra um pouco forte…

Os pneus estremecem ao percorrer o empedrado que nos leva a sair de Torrão. Não temos tantas fotografias como as que tínhamos planeado. Mas chegava a hora de continuarmos.

A paisagem, que agora nos acompanha em direção a Ferreira do Alentejo, é completamente diferente da que encontramos mais a norte. O que se vê são planícies a perder de vista. Praticamente não há pontos altos, pelo que recorrer ao drone para fotografarmos é a única possibilidade de vermos mais longe, ou descobrir enquadramentos diferentes. Também há pedaços de estrada ladeados por árvores, muitas, como que a servirem de escudo protector e de guarda-sol a quem por lá viaja. É impossível não parar para fotografar. Facilmente se perdem longos minutos aqui.

O sol vai alto, mas o vento faz-se ouvir e, principalmente, sentir. Está frio, apetece colocar o gorro do casaco na cabeça para aquecer todo o corpo. Só estamos bem no interior do carro, de quente que está. Entramos em Ferreira do Alentejo. Percorremos a vila de carro à procura de locais que nos chamem à atenção. Temos dois locais assinalados nas nossas anotações: Silos e Capela do Calvário. Mas esta bonita vila oferece muito mais, mas com o sol tão alto, tudo parece pouco atrativo. Já passa da uma da tarde e, se é verdade que a fome ainda não era muita, entravamos na perigosa hora do “a esta hora já não servimos almoços”.

Parece que estávamos a adivinhar. Em pouco tempo chegamos a Aljustrel. Estacionamos o carro e, antes de qualquer outra coisa, partimos em busca de um local para almoçar. Pretendíamos algo típico, não comida rápida (ou mais ou menos rápida) ou muito elaborada. São 14 horas. Não é cedo, mas também não é assim tão tarde. O certo é que em três espaços em que entrámos, a esta hora já nenhum deles nos serviu almoço. Mas à quarta foi de vez, felizmente!

Começamos lentamente a entrar na hora de que gostamos mais para fotografar. Saímos de Aljustrel e avançamos em direção a Castro Verde, onde planeamos terminar a tarde, até o sol desaparecer. Os campos, nesta altura do ano (Fevereiro), estão verdes. Mais um par de meses e este tom desaparece para dar lugar ao dourado. É o paraíso para qualquer fotógrafo.

O tom laranja começa a tocar partes destas planícies. O vento continua forte, ouvem-se as folhas e os pássaros. Ao longe as ovelhas. Que bonito final de tarde. Paramos em dois locais, distantes uma meia dúzia de quilómetros. Agora sim, fazemos algumas imagens de que gostamos particularmente. Para nós, a luz do dia podia ser sempre assim. O carro está a pouca distância, pois trocamos de equipamento com alguma frequência. Há objetivas de que gostamos mais para umas coisas do que para outras, o drone usa-se aqui e ali, o telemóvel é, também ele, uma ferramenta cada vez mais importante, seja para fotografar como, no caso desta etapa, principalmente para fazer vídeos.

Chegamos a Almodôvar, onde vamos pernoitar, ainda antes das oito da noite. Fazemos o check-in no hotel e deixamos parte do material a carregar, pois o dia a seguir vai ser igualmente exigente. Saímos para jantar e fazer mais meia dúzia de fotos. Discutimos ainda sobre o amanhecer do dia seguinte, que estava programado para ser no Ameixial, mas acabámos por concordar em fotografar o nascer do dia em Almodôvar mesmo. Pretendíamos colocar em prática algumas ideias que nos foram surgindo.

A noite está limpa, olhamos para o céu e conseguimos ver algumas estrelas. O marco do Km 666 fica bem perto. Jantámos e como não temos nada mais para fazer, pegamos no carro e vamos tentar fotografar este marco, de preferência com a presença de estrelas. Mas está escuro, tão escuro que, saídos do carro e sem as luzes deste ligadas, não se consegue ver nada, mesmo nada. Usamos as lanternas dos telemóveis e uma lanterna de cabeça. A luz ajuda também a câmara a focar. Montamos tripés e começamos a fotografar. Para este tipo de imagens a tentativa erro é uma prática como qualquer outra. No caso específico, a luz que, durante a exposição, incidia sobre o marco ou era excessiva, ou era pouca – para esta foto, a luz usada para iluminar o marco do Km666 foi apenas a do ecrã do telemóvel, pois a luz emitida pelo flash (que também é usada como lanterna) era demasiado forte para o efeito. Ficamos por aqui uns bons 45 minutos, mas o cansaço começa a pesar e regressamos ao hotel para as habituais cópias de segurança e descansar um par de horas.

Dia 2 (24 de Fevereiro 2023)
Seis horas. Tocam os despertadores. Nem queremos acreditar que está na hora de sair para fazer o amanhecer. Decidimos ir a pé até ao local escolhido, que fica a uns 800 metros, sensivelmente. Levamos uma câmara cada um e os drones. A ideia é usar estes. Está frio, mas não muito. Por enquanto…

Quando lançamos um dos drones para aproveitarmos as luzes dos candeeiros acesas, estas desligam-se. Nem queríamos acreditar no que tinha acontecido. Agora só nos restava esperar mais de meia-hora até o sol começar a romper no horizonte. O frio, esse, chegou forte, bem forte, tão forte que não conseguimos sentir as mãos, as orelhas, o nariz.

Finalmente, o som começa a tocar os telhados e janelas das casas. Tinha chegado a hora tão desejada e os drones partiram em busca das melhores imagens. Que espetáculo lindo o que a mão natureza nos oferece. Não há ninguém nas ruas, apenas passa um carro ou outro. Como é possível sermos só nós a assistir a esta magia que acontece (quase) todos os dias? Ainda não são 8 da manhã e está feito. Para já…

Aproveitamos para tomar o pequeno-almoço, seguimos para o hotel buscar o material e vamos fotografar a Ponte da Ribeira de Cobres. Não se conhece a data em que foi edificada – embora alguns documentos mostrem a sua existência em 1375 -, apenas que se trata de uma ponte da Idade Média, de arquitetura românica. Fotografá-la não é fácil, ainda mais quando mesmo ao lado encontramos uma tenda branca que tentamos, a custo, esconder.

Ameixial, o nosso próximo destino, no mapa parece ficar a uma curta distância de Almodôvar, mas como estávamos (muito) enganados. A partir de determinada altura, a EN2 começa a enrolar-se e parece que os quilómetros demoram o dobro a percorrer. A partir de Almodôvar as retas dão lugares às curvas que não nos vão abandonar até São Brás de Alportel. Aqui e ali paramos para fotografar. Há muitas coisas interessantes que queremos registar.

Entramos em Ameixial. Mais uma vez parece quase deserta. Ao todo, não contámos mais do que umas quatro pessoas. Não há barulho, apenas o som de uma máquina de corte a cruzar todo o silêncio. Uma das principais fontes de receitas provém da atividade corticeira, bem como da produção de aguardente de medronho, existindo várias destilarias na freguesia. A apicultura também está bem de saúde e recomenda-se. Vagueamos pelas poucas ruas e demoramos um pouco mais junto à igreja para umas fotografias e vídeos. 

Quem por aqui vive deve contabilizar o dobro da idade, pois tudo acontece muito lentamente, numa calma impossível das grandes cidades. O tempo, aqui, aproveita-se muito melhor, tudo parece menos stressante. Aproveitamos também este embalo e tentamos fazer o nosso “trabalho” de forma relaxada. Como se costuma dizer, em Roma sê romano!

Se vai com tempo, faça como nós e visite a piscina férrea do Ameixial. Se estiver tempo para isso, passe aí umas horas a nadar, descansar ou piquenicar. Imperdível é também o miradouro da Serra do Caldeirão, logo após se cruzar com o Radar Meteorológico. A vista é espetacular e não falta o baloiço para a fotografia, tão em moda nos dias de hoje. Paramos ainda umas quantas vezes para fotografarmos (e filmarmos) a EN2 a partir do céu.

O nosso destino, o Km738, estava cada vez mais perto. Chegamos a São Brás de Alportel. Aqui já se respira Algarve, é inegável, seja no traço das casas, as pessoas e, principalmente, o sotaque inconfundível. Percorremos algumas das ruas estreitas da vila. Passamos pela Câmara e Biblioteca Municipal, pela Igreja Matriz logo em frente. Algumas fotos depois, almoçamos e saímos em direção a Faro, pois pretendíamos chegar mais ou menos cedo para selecionarmos o local onde íamos terminar o dia, pois em cima da mesa estavam várias opções.

Por fim, Faro. Uns quantos metros depois, damos de frente com a rotunda que assinala o Km738. Toma conta de nós aquela sensação em que metade é alegria metade tristeza. Tantas etapas depois, tantas imagens e tantos vídeos depois de iniciada esta aventura, ela terminava ali, naquele pedaço de terra, naquela rotunda. Por momentos, somos invadidos pela nostalgia, o tanto que fizemos e o tanto que gostaríamos de ter feito, ou feito de forma diferente. E o tanto que vimos, mais o tanto que não vimos ao longo da Estrada Nacional 2.

Depois de um lanche e um passeio pelas ruas de Faro, decidimos fazer o pôr do sol primeiro junto a um pequeno cais de pescadores (perto da loja Depuradora) e, depois, junto ao Cais Comercial de Faro, virados para o Parque Natural da Ria Formosa. A maré enchia. O sol ia baixando lentamente, pintando de dourado toda a paisagem. O vento, esse, continuava forte. Forte talvez seja pouco para o que sentíamos. E frio, vento forte e frio torna difícil colocar algumas ideias fotográficas em prática, como longas exposições, por exemplo. Mas foi um bom momento, captámos algumas imagens interessantes apesar da dificuldade de nos concentrarmos com tanto vento. As luzes da cidade começam a ligar-se. Queremos fazer mais uma e outra foto, mas o cansaço começa a tomar conta de nós.

Antes da última foto da viagem, a foto à rotunda do Km738, jantamos. Foi, talvez, a melhor refeição desta etapa 7. Por mero acaso, escolhemos o restaurante Bocaxeia e não podia ter corrido melhor. Espaço grande e acolhedor. E um arroz de lingueirão que ficou bem guardado na memória – apenas é servido por encomenda, mas simpaticamente se disponibilizaram para o fazer no momento para nós. Melhor era impossível! Obrigado, é assim que se conquistam as pessoas.

As fotos que temos da rotunda do Km738 não são mesmo as que pretendíamos fazer. Mas não vamos florear as coisas: estávamos estafados e o cérebro já não raciocinava da melhor forma e ainda tínhamos cerca de 400 quilómetros para fazer até casa. Havíamos imaginado tantas coisas para aquele local e, no fim, já não conseguimos.

No momento da escrita deste último texto, da última etapa, fica essa peça por encaixar, essas fotos do Km738 que queríamos, mas que acabámos por não fazer. Mas outras ficaram apenas na ideia. Outros locais também não foram bem ou de todo registados. Ou fotografados às horas que gostaríamos. Mas não é altura de lamentos e de ses. Chegou o momento de afirmar que foi uma aventura e tanto. Não foi a mais difícil, nem a mais radical, nem a mais original, apenas foi a nossa. Foram muitos os quilómetros percorridos, muitas pessoas com que nos cruzámos e outras que conhecemos, foram muitos os cartões de memória enchidos e locais deslumbrantes.

Esta aventura pela EN2 terminou, mas vai ficar guardada para sempre. Talvez um dia a façamos com as nossas famílias, ou sozinhos, ou para a fotografar de forma diferente. Mas esta, a que vos fomos relatando ao longo de todo este tempo, esta, terminou. Foi uma aventura fotográfica e tanto. Obrigado a quem nos acompanhou. Obrigado EN2 pela tua existência.

Até breve, por esta ou outras estradas.

Passo a passo, de Chaves até Faro.

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