Etapa 6: Vila de Rei – Montemor-o-Novo

Custou começar a escrever sobre esta etapa. Hoje, dia 16 de Março de 2020, faz uma semana que partimos para a Estrada Nacional 2, para avançarmos mais uns quantos quilómetros, de Vila de Rei a Montemor-o-Novo. Cento e poucos quilómetros feitos na companhia das notícias. Da notícia que se impregnou a nós como cheiro a frito. Ou pior, bem pior.

Ainda nos custa escrever cada frase. Ou melhor, pensar em cada uma. Mas, ao mesmo tempo, escrever este texto acaba por servir um pouco como terapia e, quem sabe, servirá para memória futura, para nós, para quem nos encontrar na Internet, seja daqui por um ano, cinco, dez, quem sabe quantos…

No dia 9 de Março o coronavírus e a doença que provoca, a Covid-19, tinha chegado a Portugal há poucos dias. Não se fala noutra coisa. Aliás, desde o início do ano que é abertura de telejornais, de especiais em sites de notícias na Internet, em jornais e revistas em papel. Está em todo o lado, como um vírus.

Partimos para esta etapa 6 com algumas reticências. Várias. Mas as coisas ainda não estavam como neste dia 16 estão. Mas começava a assustar um pouco. Fomos tentando esquecer o assunto, mas o assunto vinha ter connosco. Onde quer que parássemos o assunto da pandemia estava lá. Felizmente, nem em todo o caminho, nem em toda a estrada. Foi o que nos valeu, para não ficarmos malucos.

Um problema destes já é um problema, uma preocupação. Só que ainda nem tínhamos saído e poucas horas antes caía outro problema em mãos. Quando estamos para colocar o comando do nosso drone para carregar, a ficha microUSB parte-se. Sim, isso mesmo. Podia ter sido uma semana antes, uma semana depois. Mas não…

Ligá-lo (o drone) ao telemóvel, por Wi-Fi, é possível, mas fica mais parecido com um drone para crianças – devido ao limite realmente curto de altura e distância a que pode ir – do que uma ferramenta de trabalho. A solução foi (seria) o drone de um amigo. Infelizmente, a Lei de Murphy é aplicada, sem dó nem piedade, e não conseguimos emparelhar o comando com o drone. Fizemos tudo o que era recomendado pela marca, por outros utilizadores, desde carregar em determinados botões, a atualizar ou regredir a versão do firmware, mais cabo para cá, cabo para lá, mais visitas a vídeos no YouTube à procura de uma solução milagrosa. Até às 3h30 da manhã do dia em que íamos partir nada ficava resolvido. A saída estava programada para as 9h30. Logo pela manhã, mais umas quantas tentativas. NADA! Tempo desperdiçado.

Assim de repente, para não perdermos mais tempo, existiam várias possibilidades, com as duas mais fortes: ir sem o drone, comprar outro. Decisão difícil, por ter de ser tão antagónica. Íamos partir para tão longe, fazer o que gostamos de fazer, mas sem uma das ferramentas de que mais gostamos? Ia ser difícil de engolir. Por outro lado, gastar mais dinheiro não estava propriamente nos nossos planos. Um-dó-li-tá…

Não havia volta a dar. A aquisição de outro drone estava no nosso horizonte, só não sabíamos quando, porque felizmente ainda não tínhamos sentido necessidade. Até agora, até ao dia 9 de Março. Já no carro, com todo o equipamento e outros pertences na mala, resolvemos tentar a sorte e ver num espaço comercial se tinham o drone que pretendíamos, um pouco melhor e mais evoluído do que o nosso. Tinham. Um! Para nós, chegava. E, assim, com um drone novo, mesmo que por configurar, partimos para uma nova etapa, agora bem mais satisfeitos e com a conta bancária mais pequena. Por momentos, esquecemos o problema Covid-19. O que a tecnologia faz a dois homens…

E lá seguimos nós, finalmente, em direção a Vila de Rei para abraçarmos novamente a “nossa” estrada. Já tínhamos saudades da Estrada Nacional 2, deste nosso projeto. Nem queremos imaginar como vai ser daqui para a frente. Quando voltaremos a pisar aquele pedaço de alcatrão que tão bem nos liga parece-nos, agora, uma incógnita. Fazemos figas para que seja bem mais depressa do que pensamos (e sentimos) neste dia.

Chegámos a Vila de Rei já bem para lá da hora que estava prevista. Mas isso pouco importava, pois a aventura ia continuar a partir daqui. Dia e meio para fazermos cento e poucos quilómetros. O dia estava bonito, soalheiro, quente q.b., com uma luz agradável. E lá seguimos nós, estrada fora.

Durante os primeiros quilómetros aproveitamos para abrir a caixa do drone, conferir que estava tudo bem, colocar drone e comando a carregar. O interior do carro parecia o interior de um robot, tal a quantidade cabos, fichas, baterias, luzes…

A primeira paragem “oficial” desta etapa foi numa estação de serviço abandonada já bem perto do Sardoal. Mais um espaço que lamentamos ainda existir, mas que facilmente se transforma em algo que alguns fotógrafos gostam de registar. Não é bem o nosso caso mas que, naturalmente, não podíamos deixar de fotografar. A hora e a luz não eram obviamente as melhores, mas serviu um pouco como “aquecimento”. Há quem goste muito de fotografar espaços abandonados. E até nisso, até aqui, a Estrada Nacional 2 também tem muito a oferecer, com edifícios, casas, espaços comerciais, completamente ao abandono. Só isto daria para outro projeto facilmente…

Desde o Sardoal a paisagem começa a transformar-se. Estamos no Ribatejo, mas já cheira a Alentejo. Estamos a chegar ao Km500 e já tanto Portugal vimos. Todo diferente, mesmo que na essência seja, lá no fundo, todo igual. As pessoas continuam abertas, gostam de receber. Curiosamente, somos portugueses, mas ao percorrermos a EN2, temo-nos sentido quase estrangeiros. Somos de cá, de Portugal, mas sentimos que não somos dali, daqueles lugares, daquelas aldeias, vilas e cidades. Ali, parece que toda a gente se conhece, sabem que o Zé gosta da Maria, que a Joaquina foi ao médico, que o António está no café, que a Ermelinda faz uns doces de perder a cabeça. Para além da fotografia, das paisagens, é isto que nos fascina e tem fascinado ao percorrermos este pedaço de Portugal.

O nosso “plano”, por ter sofrido logo um desvio antes ainda de sairmos de casa, já estava defasado no tempo, pelo que quase não parámos, imperdoavelmente, no Sardoal. Quer dizer, parámos para almoçar. No centro. Consultámos o Google. Procurámos e as sugestões estavam encerradas. A caminho de uma terceira opção, uma senhora olha para estes “estrangeiros” e pergunta se precisamos de ajuda. E nem precisa de perguntar duas vezes, que ajuda é coisa de que necessitamos. Com urgência. O estômago já manda mais do que nós e fica revoltado quando está vazio.

Simpaticamente, sugere-nos o restaurante 3 Naus, já fora do centro do Sardoal. E que boa sugestão, pois fomos simpaticamente atendidos e melhor servidos. As notícias nas televisões, infelizmente, eram sobre o mesmo, o mesmo de sempre, o mesmo dos últimos dias. O vírus, a Covid-19 continuava a alastrar-se um pouco por todo o mundo e Portugal começava a entrar nos planos deste inimigo invisível.

Não fotografámos nada nesta bonita vila do Sardoal. Nada. Ou quase nada.

Sardoal. A única fotografia que temos. Voltaremos lá assim que tal for possível, pois merece uma visita prolongada

O relógio não pára e estamos em contagem decrescente para o que restava do dia, da tarde. Mas, se tudo correr bem, iremos lá voltar apenas e só para a fotografar. Merece. É tão fotogénica, tão fotografável, que a imaginamos ao nascer ou ao pôr do sol. Esperamos conseguir concretizar este desejo muito em breve. Por agora, siga…

Abrantes fica logo ali a seguir à curva. Ou quase. São poucos minutos que separam o Sardoal de Abrantes. Um saltinho. Um saltinho de cerca de 14 quilómetros. Depois do que tínhamos comido, o ideal era termos feito o percurso a pé!

Para a fotografia ainda estamos um pouco longe da luz ideal, mas não conseguimos sair sem parar para uns postais. Nossos, feitos pelas nossas câmaras fotográficas. Não são nada de especial, mas o que importa, não é? Ah, convém não esquecer de provar o doce típico, “Palha de Abrantes”. Por sugestão do amigo André Breites, não devíamos ter perdido as tijeladas de Abrantes, visitando, por exemplo, a padaria Ti Pereira. Vocês dão cabo de nós… 😀

Passámos pela fábrica do azeite Gallo, em Rossio ao Sul do Tejo (edit: anteriormente colocámos Rio Torto, por sugestão do Google Maps, mas o amigo André Breites enviou-nos uma mensagem em que informa que houve uma junção de freguesias entre estas duas localidades, mas que São Miguel do Rio Torto fica a uns 2 a 3 kms de distância), mesmo junto à estação de comboios de Abrantes. Neste momento, a Estrada Nacional 2 começa a conduzir-nos para Ponte de Sor. Sentimos que é a partir daqui que as coisas podem começar a animar, a avaliar pelo que vimos no Google Maps quando desenhamos esta etapa.

Aqui e ali abrandamos o carro para uma fotografia ou outra. Esta estrada é terrível para quem fotografa, pois tem um motivo qualquer a cada dez metros de distância. Mas tentamos não parar em todas as estações e apeadeiros, ou por esta altura ainda estávamos a fazer a primeira curva depois do Km 0, em Chaves.

Placa que assinala a entrada em “Vale de Cortiças”. Há uma pequena passagem de nível à esquerda. Algo que já se vê pouco, ou nada, porque das vias rápidas e auto-estradas pouco se consegue ver. Dá para parar o carro. Apreciar o local. Fazer um lanchinho, esticar as pernas, respirar ar puro. A EN2 corre lado a lado com a linha férrea, mas pouco depois desta passagem, separam-se, cada uma seguindo o seu rumo.

Foi também aqui que decidimos experimentar o novo drone. Bateria e comando carregado, chegou a hora de retirar autocolantes, ligar e emparelhar. Mas tudo o que é tecnológico e novo nunca está pronto a ligar e usar. No caso, foi necessário instalar atualizações de software, calibrar o comando, desligar e voltar a ligar tudo. Dez minutos depois (mais minuto, menos minuto) o drone está, finalmente, no ar. Notamos que o Mavic Pro 2 tem mesmo algo de diferente do Mavic Air. É naturalmente maior, mas como se move, como reage aos comandos, a distância a que vai, a facilidade com o que o faz, é sinónimo de um equipamento mais evoluído. Fazemos duas ou três fotos e seguimos caminho.

A partir do Km422 chegam as grandes retas que tão bem caracterizam esta região do país. Retas e também árvores que a encobrem, que a protegem, que a embelezam. Queremos parar a cada centímetro, mas nem sempre é fácil, pois não há bermas com espaço que o permita fazer em segurança. Contrariamente ao que tínhamos pensado, por estes quilómetros até há bastante trânsito, parece que por aqui a EN2 não serve só para admirar, para conhecer melhor, mas também para ser usada por quem trabalha. Infelizmente, o excesso de velocidade impera, parece que todos estão numa pista e querem ser os primeiros a chegar a qualquer lado. E nós não íamos a passo de caracol, eventualmente seguíamos até um pouco acima da velocidade recomendada pela sinalética. Mesmo assim éramos ultrapassados por todo o tipo de veículos a uma velocidade pouco recomendável…

Ao Km439 mais uma casa de cantoneiros. Do que nos lembramos, ou nos apercebemos, a última que vimos foi bem perto de Vila Real, mas num estado de conservação muito pior do que a que aqui encontramos. São habitações que foram, durante bastantes anos, ocupadas por funcionários das Estradas de Portugal que exerciam a função de cantoneiros. Há uns anos a empresa teve cerca de 50 destas habitações à venda, mas estas na EN2 não parecem ter “novos donos”.

Mesmo ao lado, uma moderna escola de aviação, com umas instalações excecionais. Dois cadetes jogam ténis. Está calor. Mesmo em anos de seca, quem vive por aqui pode sempre dizer que há “Água Todo o Ano” – o nome, curioso, deste lugar.

As grandes retas continuam. A paisagem mudou e respira-se Alentejo. Começamos a ver florestas de sobreiros e azinheiras. Dos sobreiros extrai-se a cortiça a cada nove anos. E, certamente que vai reparar, os troncos têm um número pintado, que indica o ano da última extração. Estes montados ( florestas de azinheiras, sobreiros, carvalhos e castanheiros) são protegidos e tornam-nos no maior exportador de cortiça por via do fabrico de rolhas.

Aqui e ali, mais à frente, ou voltando um pouco atrás, vamos fazendo algumas fotografias, ou vídeos. O sol vai-se encaminhando em direção ao horizonte, mas ainda temos umas (poucas) horas até que desapareça e chegue a noite.

Seguimos e logo a seguir à placa que indica que entrámos em “Cansado” paramos. No sentido norte-sul, à direita, um café daqueles mesmo típicos. Entramos e conversamos com a proprietária durante alguns minutos. Já viu chegar e partir gente que percorre a Estrada Nacional 2 das mais diversas formas. Também por lá parou o nosso escritor Afonso Reis Cabral, que fez a estrada a pé. Também falámos sobre a autenticidade daquele lugar, que já pouco encontramos. Se for vendido, o novo proprietário terá obras para fazer, porque a ASAE já não permite algum do mobiliário que faz dele, deste espaço, único e muito nosso. Quem lá entra – e convidamos todos os que por ali passarem a fazê-lo – facilmente conseguirá ver do que estamos a falar.

Aproveitamos para mais umas fotografias. Reparamos numa placa para um alojamento local. Não lhe ligamos muito (à placa), mas achámos o nome algo familiar. Alguma confusão, certamente…

Estamos a poucos quilómetros da barragem de Montargil e da sua albufeira, que se vê já lá ao fundo, pois aqui já quase acompanha a Estrada Nacional 2. Há inúmeros caminhos em terra que permitem chegar até à água. Fomos visitar três, com fotografias feitas em dois. Aproveitamos para recomendar o caminho mesmo ao lado do parque de campismo da Orbitur, que nos leva a um pequeno paraíso. Mas para fazer o final de dia, o pôr do sol, nenhum nos oferecia boas condições. Com os minutos a passar, não podíamos perder mais tempo e decidimos que íamos fotografar junto à barragem. E assim foi.

A vista a partir da barragem é espetacular, ainda para mais ao final de dia. Ou ao nascer. Separámo-nos, pois a área tem muito o que descobrir e fotografar. O drone é, mais uma vez, uma ferramenta importante para registarmos, em vídeo e fotos, todo aquele cenário. 

O Hugo afasta-se. O Maurício fica junto ao carro a “pilotar” o drone. Está cada vez mais escuro. O Maurício ouve o que parece um “porco”, com um som que parece bem perto. Esquece o drone, volta-se e aí a uns 50 metros um javali atravessa o caminho, em passo acelerado. Bem, nunca vimos ninguém a arrumar um drone tão depressa… 🙂

Por ali ficámos até a noite já ter ganho espaço ao dia. A lua, cheia, ilumina tudo à sua volta. Oferece um ar misterioso a todo o cenário. Não era a fase que gostaríamos de ter por estes dias, porque tínhamos uma ideia para depois do jantar. Mas iremos colocá-la em prática, de qualquer modo. Já lá vamos…

Recebemos o telefonema do alojamento onde vamos ficar hospedados. Pretendiam saber se estamos longe. Informamos a localização e ficamos a saber que estamos bem perto, a uns 15-20 minutos. Já são quase sete e meia e está na hora de fazer o check in.

Agora a parte engraçada. Lembram-se de há uns parágrafos termos escrito sobre uma placa, em “Cansado”, em frente ao tal café típico, que tinha um nome familiar? Pois bem, era o nome do alojamento. Ó gente distraída…

Quinta da Saudade”. Noite escura é difícil ver o que nos rodeia em condições, mas mesmo assim ficamos bem impressionados pelo espaço. Os donos foram uma simpatia. Também estavam receosos com o novo vírus. Estivemos ali à conversa um bom bocado, com o tema a não fugir muito do que se estava a passar no mundo e, aos poucos, em Portugal.

A habitação, modesta, era grande, com tudo o que uma família pode querer, com dois quartos, quarto de banho, sala de estar, cozinha e sala de apoio. A limpeza irrepreensível. E fomos brindados com queijo, presunto, vinho, pão e ainda tudo o necessário para um bom pequeno almoço, como leite, café, chá, fiambre, manteiga. Pena de não podermos ficar para o pequeno almoço a sério, que incluía pão quentinho. Enfim, muito mais do que esperávamos para as cerca das 5 ou 6 horas, no máximo, que íamos lá ficar.

Feito o check in, saímos para jantar. Não há muitos restaurantes perto. Alguns nem abriram e o que escolhemos tem poucas pessoas. Muito poucas. Está tudo colado à televisão. As notícias são avassaladoras. Tentamo-nos abstrair, embora se tornasse quase impossível. A carne de porco à portuguesa estava bem agradável e o bolo de cenoura, embora não fosse o que pensávamos, desapareceu. Ó gente gulosa…

Quase nove e meia da noite. Queríamos tentar fotografar as estrelas. O tal plano que tínhamos em mente e para o qual a lua cheia não ia ser a nossa melhor aliada. Mas como não havia mesmo mais nada para fazer e a digestão precisava de ser feita, lá fomos nós tentar fotografar a Estrada Nacional 2. E as estrelas. E a lua.

Em termos um pouco mais técnicos, fotografar com a lua cheia é quase como fotografar com sol. Se alongarmos um pouco mais o tempo de exposição, o tempo que o sensor está a receber luz, o efeito pode ser quase irreal, com muitas pessoas a pensarem que se trata de manipulação no computador, mas não é, é pura fotografia. Não sendo exatamente o que queríamos, ficámos satisfeitos e foi bom aquele bocado a fotografar. Passaram meia dúzia de carros enquanto ali estávamos e foi a nossa única preocupação, para evitarmos qualquer acidente.

Foi meio dia a fotografar e a registar alguns vídeos. Salvaguardar o trabalho é imperativo, pois nunca se sabe o que pode acontecer aos cartões de memória. O processo, o nosso, é copiar o seu conteúdo para o computador e para um disco externo. Feito isto, nunca, mas mesmo nunca, formatamos os cartões, que continuam com as fotos do dia – apenas formatamos quando chegamos a casa e fazemos novas cópias de segurança. Pode ser excesso de zelo, mas é um método que nos oferece alguma confiança.

Com tudo isto é quase uma da manhã quando nos deitamos. O despertador faz-se anunciar às 5. Vai ser um dia duro, longo. Ainda temos 70 e poucos quilómetros para fazer, até Montemor o Novo, onde planeámos terminar esta etapa seis. E, depois, ainda mais duzentos e poucos até Coimbra. Àquela hora da manhã não valia a pena estar a pensar já nestas coisas. Comemos qualquer coisa rápida e saímos para chegarmos ainda a tempo do nascer do sol em Mora.

A caminho podíamos ter parado em qualquer local para fotografar. Tudo era fotografável, principalmente na albufeira da barragem com a neblina logo acima da água. E com a primeira claridade no céu. Parecia magia, mas era (é) apenas a Mãe Natureza. Com tanta coisa espetacular a ficar para trás, o receio de não conseguirmos umas fotos interessantes em Mora – que nunca visitámos antes – tomou conta de nós.

Separámo-nos mais uma vez, para tentarmos conseguir imagens diversas, diferentes. O Hugo foi percorrer as ruas, o Maurício ficou no miradouro a usar, mais uma vez, o drone. Aquele nascer do sol prometia e não o queríamos perder por nada. A vila, vista assim de cima, é espetacular, tipicamente alentejana, com a maioria das casas brancas e com os telhados cor de tijolo.

Dois cães, pequenos, saem de casa. Ladram ao Maurício. Mas depois seguem a sua vida matinal. O dono, ainda a acordar, semi revela-se e apenas foi à porta inspirar aquele ar puro, aquele fresco matinal, ver aquela paisagem ali à sua frente. Provavelmente, olha para ela de forma diferente da minha. Mas como acontece na grande maioria das vezes, quando damos as coisas como garantidas, nunca olhamos com a atenção que merecem.

O drone deve atrair os pássaros. Levei-o até cima da vila, para a fotografar com o sol a aparecer no horizonte, com aquela mistura de luz fria (azulada) com a quente (laranja) do sol. Rapidamente ficou rodeado de pássaros, que emitem sons e voavam como kamikazes. Para os acalmar, aterrei o drone e esperei que se dispersassem. Feito isto, voltou a voar para mais uns minutos de vídeo e umas quantas fotografias.

Continuamos caminho. Continuamos na Estrada Nacional 2. A luz está agradável e paramos (mais uma vez) para fotografar um pedaço de estrada. Seguimos mais uns curtos quilómetros encostamos o carro por mais uns minutos. Há vacas a pastar. Fotografamos, mas o curioso foi quando levantámos o drone. Só para que conste, temos sempre muito cuidado no seu uso. Tentamos sempre que possível não o colocar sobre pessoas, ou a horas em que há pouca gente a circular, ou em zonas descampadas. Problemas podem existir sempre, ninguém controla tudo, apenas nos limitamos a tentar diminuir a probabilidade. Isto para dizer que sobrevoamos os animais e, talvez devido ao barulho, juntaram-se e literalmente puseram-se a olhar para o drone, rodando na direção do mesmo para não o perderem de vista.

Não sabemos bem a razão, mas gostámos de Brotas. A EN2 atravessa-a e, se não prestarmos atenção, quase não lhe damos o devido valor. É preciso parar para a conhecer, para ver que é tão bonita. Pequenina. Imaginamos que viver ali deve ser uma benção, longe da correria de todos os dias, longe dos centros comerciais, longe da confusão do trânsito. Investimentos algum tempo para fazer umas fotografias. Quando nos preparamos para partir, como somos “forasteiros”, estrangeiros cá dentro, um senhor, ao portão, pergunta se somos da MEO, que está à espera dos senhores da MEO.

Ciborro. Chegámos à capital do Km500 🙂 É aqui que encontramos o marco que indica que desde Chaves já percorremos quinhentos quilómetros de Estrada Nacional 2, em direção a Faro, que está cada vez mais perto. Em Ciborro (que em tempos foi Aldeia Nova de Valenças) tomámos o merecido pequeno almoço, no snack-bar com o mesmo nome da freguesia. O sol já está alto e a temperatura bastante agradável. Cheira a primavera.

Ainda é “cedo” e já não estamos muito longe de Montemor-o-Novo. Enquanto viajamos na estrada vamos sempre alerta, olhando para todos os lados para tentarmos descobrir algo que possa interessar. Três cavalos do nosso lado esquerdo. Mais dois (que depois, antes de partirmos, passam a três) do lado direito. Estão a descansar. E a comer. Uma vida difícil, certamente. Não se assustam com a nossa presença. Aliás, os do lado direito vêm ter connosco, deixam-se tocar. São (ou estão) curiosos. Mesmo dentro da cerca, não nos largam. Se nos afastamos uns metros, eles seguem-nos. Foi assim o tempo todo, enquanto por ali estivemos. Foi divertido. E relaxante.

Chegamos a Montemor-o-Novo. É por aqui que pretendemos terminar o dia. Chegámos mais cedo que prevíamos. A ideia, ao final da tarde, é fotografarmos o castelo e as suas ruínas e a cidade com as luzes ligadas, vista do miradouro junto à entrada do castelo. Está calor, somos obrigados a largar os casacos. Vai ser apenas uma volta de reconhecimento, mas aproveitamos para fazer algumas fotografias, mais para ensaiarmos algumas composições, alguns enquadramentos. Quanto melhor conhecermos um local, melhor o conseguimos retratar.

Podíamos ter almoçado por ali. Mas arriscamos fazer uns quilómetros para ficarmos com uma ideia do que nos reserva a próxima etapa. No máximo faríamos 30 quilómetros e mesmo assim, no total já seriam 60. Mas temos tempo e seguimos estrada fora.

Há campos que já estão carregados de Manifestantes Amarelos (espigas em flor de tremoceiro-bravo). Tornam a paisagem mais colorida, mais bonita. É impossível alguém passar e não parar para fotografar.  Ao final da tarde voltaríamos a parar no mesmo campo para fazermos um curto vídeo com o drone.

Acabámos este mini reconhecimento em Alcáçovas, onde almoçamos no “O Barrela” – comida simpática, num espaço sóbrio, com pessoas simpáticas e preço atrativo. Está relativamente quente, sol muito alto e apetece descansar um bocado. Duas noites a dormir cerca de 4 horas começam a deixar mazelas. Decidimo-nos por um quadro à alentejo: descobrir um local à sombra para encostar o carro e tentar fechar os olhos por uma horita. Sentia-se uma ligeira brisa, agradável, ouviam-se os pássaros e os insetos. Passou um ou outro carro, mas nada que estragasse muito o descanso. Foram cerca de quarenta e cinco minutos que deu para carregar a nossa bateria, para o resto da tarde que se avizinhava.

Cinco e pouco da tarde chegamos a Montemor-o-Novo. Ao nosso lado estaciona um carro com dois casais espanhóis. Como o vírus da Covid-19 já andava a alastrar por terras de nuestros hermanos, decidimos manter alguma distância deste grupo. Paranóia, talvez, mas mais vale prevenir do que remediar, não é?

O fim de tarde e o início da noite foi junto ao castelo e suas ruínas. É um sítio que nos transporta para outros tempos, mesmo com estaleiro de obras ali bem no meio. É fácil imaginar os barulhos de outras épocas, de uma época longínqua, com as vozes das pessoas, os cavalos e charruas que martelam o chão, as músicas medievais, os combates. Tanta vida que já teve, diferente da que tem agora, onde chegamos nós e outros turistas, carregados de tecnologia, de automóveis, estilos de vida completamente diferentes.

A localização do castelo é fantástica. Temos uma visão global do que nos rodeia. Podemos ver o nascer e admirar o pôr do sol em toda a sua força. A luz está cada vez mais bonita, enquanto o sol começa a desaparecer no horizonte. A cor laranja pinta todo o cenário. Há silêncio, só se ouvem os carros lá embaixo, nas estradas.

Dizem, ou há documentos que confirmam, que foi neste castelo que Vasco da Gama ultimou os planos para a sua viagem à Índia. Mas existem muitas outras estórias da história deste castelo, que pode conhecer mais aqui.

Depois da fotografia aérea sobre Montemor, chega a hora de jantar, porque ainda existe muito caminho daqui até casa. Pouca gente no restaurante “Escondidinho”. As notícias que correm nas televisões são as mesmas dos últimos dias. Não se fala, vê e escreve sobre mais nada, só sobre o Coronavírus. Saímos para a rua, são oito e pouco da noite. Não há vivalma na rua. Ninguém. Passa apenas por nós uma pequena mota. Há um cão que vem de uma rua deserta, apenas iluminada pela luz amarela do candeeiro. Não liga a ninguém, continua na sua vida. Estamos ali sozinhos, como se toda a gente se tivesse evaporado. Já não é o Portugal que todos conhecemos. O medo começava a apoderar-se das pessoas. E era só o início da pandemia.

Em jeito de conclusão
Mais uma etapa, a sexta, desta aventura fotográfica pela Estrada Nacional 2 que começou com uma… aventura. Um comando que se avaria, um drone emprestado que não reconhece o seu próprio comando, a compra de um drone novo para não sairmos para mais estrada sem esta já tão importante ferramenta de trabalho.

Basicamente, foi um dia e meio que nos fez entrar no Alentejo, nas famosas retas e planícies alentejanas, as suas casas, as suas gentes, os seus animais, os sobreiros, os montes.

Não fosse (tivesse sido, para quando voltarmos a este texto daqui por uns meses, ou anos) a pandemia da Covid-19 e quase podíamos considerar uma das mais interessantes etapas que já fizemos pela Estrada Nacional 2. A estrada que liga Portugal. Que nos liga a todos nós.

 

Passo a passo, de Chaves até Faro.

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