Etapa 5: Góis-Vila de Rei

Esta etapa começou a ser organizada sentados à mesa de um restaurante. Não tínhamos computador, mas tínhamos telemóveis e um tablet para começarmos a fazer uma avaliação do percurso. E também o guia da Foge Comigo, “Portugal de Norte a Sul pela mítica Estrada Nacional 2”, onde coletamos alguns pontos de interesse, sugestões de trajetos, ou gastronomia, por exemplo.

Decidida a distância a percorrer, começamos a tomar algumas notas. Mas se é muito contemporâneo dizer que o fizemos numa app ou documento de texto, a verdade é que esta etapa ficou delineada num pedaço de… toalha de papel. Quando as ideias começam a surgir, não há nada mais rápido do que escrever num bocado de papel que esteja à mão.

Dia 5 de Fevereiro, ainda o sol se vira na cama, e lá vamos nós a caminho de Góis. Céu limpo, estrelas, frio mas sem qualquer vestígio de nevoeiro ou neblina. Comentamos, no carro, que os dias estão a ser escolhidos a dedo, sem as nuvens de que tanto gostamos e que tanto oferecem às fotografias. Mas lamentos não levam a nada e estamos ali também para aproveitar o dia, a estrada, a EN2.

Foi na rotunda que indica as direções da aldeia da Pena e Pampilhosa da Serra que a aventura de mais uma etapa, a quinta, começou. Daqui e por uns bons quilómetros, a Estrada Nacional 2 ziguezaguea como uma cobra por entre casas e árvores, num bonito bailado que deve ser admirado com calma.

Marcámos a zona de Cimo de Alvém para as primeiras fotografias. Contrariamente ao que estava previsto, o nevoeiro abateu-se sobre esta área. Que bonito, que ar misterioso pode oferecer às imagens. Só que, exatamente aqui, estava planeado levantar o drone para aproveitar os rastos de luz dos carros. E, com nevoeiro e muita humidade, fazer isto era só por si uma aventura, pois eletrónica e ambientes húmidos não se costumam dar muito bem e, há pouco mais de um ano, íamos ficando sem um drone exatamente por causa disso. Mas como dos fracos não reza a história e isto de fotografar, ou conseguir aquelas imagens que imaginamos, é mais forte do que nós… siga e seja o que Deus quiser.

Depois, o segundo problema – quando se juntam vários problemas, é um problema: não passam carros. Passa um ou dois antes de termos o drone no ar, mas depois aparece em cena a sempre oportuna Lei de Murphy. Zumbido a indicar que o drone está no ar, o nevoeiro cada vez mais cerrado, a humidade a entranhar-se na eletrónica e carros nem vê-los. Temos o nosso, é verdade, mas como cada um de nós está a fazer uma coisa, não é (foi) solução. Finalmente, surgem dois ou três carros e é com eles que tentamos a nossa sorte. O resultado final não fica como esperávamos, mas é melhor do que nada. E, de repente, nem mais um veículo. Ok, por aqui está feito, chega o momento de continuarmos.

Não é preciso andar muito. Poucos metros depois, um mar de nuvens surge a encher a paisagem. Estamos do paraíso – se for assim, é espetacular. Começa a surgir a primeira luz no céu. O tom frio da manhã, azulado, vai ser acompanhado pelo tom amarelado do sol. A neblina que se estende por toda a paisagem parece que está ali mesmo à nossa disposição, que lhe conseguimos tocar. A natureza é maravilhosa e felizes de nós os que podemos assistir a tudo o que ela nos oferece. Estamos praticamente sozinhos na rua, na estrada. Ouvem-se uns galos ao longe e cães bem mais perto. Eles, como nós, são as únicas testemunhas do que se está a passar.

Estamos no lugar do Esporão. O drone filma e fotografa, nós só fotografamos. Uma parceria que temos vindo a considerar vencedora. É inegável que este produto tecnológico veio ajudar na criação de imagens diferentes, apelativas, por vezes épicas.

A EN2 segue por ali fora, aos esses e nós vamos nela. Queremos aproveitar o rasgo que a estrada faz, sendo ladeada por árvores, para a fotografar de cima. Mais uma vez, é necessário aguardar que um carro surja para conseguirmos dar outra dinâmica à fotografia final. Voltamos a arrumar tudo dentro da mala do carro e regressar à estrada – quem pensa que isto é só passeio é porque ainda não viu o trabalho que cada paragem origina. Mas como se costuma dizer, trabalho que nos dá prazer, não é trabalho…

Até chegarmos a Pedrógão paramos uma “centena” de vezes. A luz está já alta, passou muito tempo desde o nascer do sol e as fotografias não ficam com o mesmo impacto. Mas é impossível e seria um pouco monótono até, fazermos imagens da EN2 só ao nascer e pôr do sol. Por isso, temos de aproveitar o que cada altura do dia nos dá. Paramos porque a cada metro encontramos motivos para fotografar e filmar.  Até Pedrógão, passamos por locais com nomes curiosos ou que motivam piadas, risos. Mas são nossos e merecem ser conhecidos. Três exemplos? “Cabeçadas”, “Venda da Gaita” e “Picha”. Nomes portugueses, de Portugal.

Outra particularidade: por aqui, neste intervalo de quilómetros, entre Góis e Vila de Rei, há muitas localidades cujo nome inclui “Cimeira” e “Fundeira”. Vai encontrá-las em várias placas sinalizadoras.

Depois de virar à direita, na placa que indica “N2/Pedrógão/Alvares”, encoste o carro e aproveite para uma paragem um pouco mais demorada – usufrua de toda essa paisagem que os seus olhos alcançam.

Estamos bem perto das 11 horas e ainda não tivemos direito a pequeno almoço. Paramos em Alvares para vermos a ponte sobre a ribeira do Sinhel. Com obras em curso não deu para fotografar. Mas a fome já é tanta que nem nos conseguimos concentrar. Finalmente, paramos no café/restaurante do Alto, logo a seguir a Alvares e pouco antes de chegarmos a “Venda da Gaita”. Sai uma bifana para cada um. O pão, grande, ligeiramente estaladiço e quente desapareceu num abrir e fechar de olhos. O almoço quase podia ser dispensado. Mas como somos portugueses… vocês sabem do que falamos…

Entretanto, continuamos a parar aqui e ali para fotografar o que nos rodeia.

Paramos à entrada de Pedrógão. Depois uma volta pelo seu interior, pelo centro histórico. Talvez tenhamos de regressar para conhecer ainda melhor. Duas, três, quatro fotografias. Queremos fazer mais, mas ainda temos caminho pela frente. Pedrógão Pequeno fica logo ali, a seguir à Barragem do Cabril. Esta pequena Aldeia do Xisto é a única atravessada pela EN2. Aproveite e vá ao Miradouro de Nossa Senhora da Confiança (Km 327). Cerca de um quilómetro mais à frente consegue ver, lá em baixo, pequenina, a Ponte Filipina (do Cabril).



Na EN2 vá devagar e tente não deixar passar a pequena placa que indica “Filipina”. Depois é só seguir, seguir, seguir. Se tem um jipe, ou um carro ao qual não tem amor, pode aventurar-se e descer até à ponte. Mas se gosta de caminhar, de estar em comunhão com a natureza, de ar livre e de se exercitar, então o nosso conselho é que estacione o carro e inicie a descida a pé. A meio, se ficar com algum tipo de dúvida, continue, porque se já está a meio caminho, já não falta tudo. Para regressar, se a forma física não for a melhor, suba devagar. Aprecie o que está à sua volta. Leve água. Se quiser, um pequeno lanche – apetite não lhe vai faltar.

Uma vez lá em baixo, ponha-se à descoberta. Há tanto por descobrir. A ponte, composta por três arcos, julga-se ter sido edificada por volta de 1607 e 1610. Até 1954 foi a única ligação com Pedrógão Grande. Resumindo, não deve fazer a EN2 sem fazer um desvio para visitar esta Ponte Filipina. E, claro, é o que vamos fazer (o que fizemos).

Com temperatura amena, carregados com o equipamento fotográfico, chegamos ao carro completamente transpirados. E, adivinhem… com fome. Afinal, a bifana já foi e estes corpos perderam muitas calorias… Almoço em… Em… Desfeitas as dúvidas: Sertã. É para lá que vamos.

Sertã… Estivemos nesta vila menos tempo do que gostávamos. Chegamos já para lá da uma e, no restaurante que selecionamos, o “Ponte Romana, O Delfim”, ainda temos de ficar algum tempo à espera, pois está cheio. Ali ao lado da janela podemos ver a ponte Filipina (da Sertã), esta mais vulgarmente conhecida por Ponte da Carvalha, Ponte Velha, ou Ponte da Várzea. Consta que, durante as invasões francesas, foi um dos locais utilizados pelos sertaginenses para se defenderem da entrada das tropas inimigas, daí que esta ponte tenha tido sempre um papel fundamental e estratégico na vila.

Para comer: naturalmente, maranho e bucho, dois dos mais típicos pratos da região. O maranho é confecionado à base de carne de cabra e/ou ovelha, animais cuja criação é muito frequente por todo o concelho da Sertã. Entram na sua confeção o presunto, chouriço, hortelã, arroz, sal e vinho branco. O bucho recheado à moda da Sertã é cozinhado com bucho de porco, levando carne do lombo do porco, galinha, presunto, ovos, chouriço magro, pão caseiro e vinho branco. Se nunca provou, não engelhe já o nariz. Só depois de provar saberá se gosta ou não. Nunca devemos ir com ideias pré concebidas no que toca à gastronomia, pois podemos estar a passar ao lado de uma iguaria.

Barriga cheia, companhia desfeita. Cada um de nós faz umas fotografias ali bem junto à bonita Ponte Velha e os seus seis arcos. Imaginamos o que já “presenciou”, quem já lá passou, como terão sido os seus anos ao longo de todos estes anos. Ali continua ela, elegante, fotogénica.

Infelizmente, pouco mais dá para fazer, para conhecer, pois as horas passam rápido e já não temos muito tempo para o que resta do dia e ainda temos o Centro Geodésico de Portugal para ver. Um género de umbigo, o nosso umbigo, na Serra da Melriça, a cerca de 2 kms de Vila de Rei. Chegar até lá é muito fácil, graças à sinalização existente na Estrada Nacional 2.

Daqui e num ângulo de 360º a paisagem é deslumbrante. Para onde quer que se olhe, temos a sensação de que tanto para norte, como para sul, este ou oeste, estamos ali bem no meinho. É a partir deste marco, com 9 metros de altura, que se referenciam todas as nossas medidas geodésicas. Num picoto mais pequeno, há uma rosa dos ventos no chão que indica as localidades/serras visíveis em cada ponto cardeal.

O sol, cada vez mais baixo, avisa-nos de que o tempo até desaparecer completamente é cada vez mais curto. O final de dia fotográfico está programado para o Penedo Furado: ou na praia fluvial, ou no Miradouro das Fragas do Rabadão. No que nos parecer mais apelativo e que a hora permita.

Infelizmente, a praia fluvial ficou destruída aquando da passagem da tempestade Elsa, desfigurando a paisagem, estragando a parte inicial dos passadiços, arrancando árvores e provocando quedas de muros. Acreditamos que muito em breve esteja pronta para tão bem receber os muitos turistas que tanto visitam este espaço maravilhoso. Aconselhamos ainda a fazer o percurso ao longo da ribeira, onde fica a conhecer, e quem sabe experimentar, os pequenos lagos naturais.

Subimos e terminamos o dia no espetacular Miradouro das Fragas do Rabadão, onde temos uma paisagem de cortar a respiração – rima, mas não foi de propósito -, com vista para a albufeira de Castelo de Bode. Raramente ouvimos um carro passar. Só se ouve a água lá em baixo e os pássaros que, quais felizardos, têm aquele monumento natural como casa. E, no topo, lá estamos nós, prontos para tentar fotografar o melhor que conseguimos todo este “mundo”. Não é fácil. Nunca é fácil transpor para uma foto (ou várias) todo o esplendor que um local como este nos oferece.

A fé das pessoas é inabalável, diz-se. E essa fé é aqui, neste Miradouro das Fragas do Rabadão, representada por várias estatuetas, oferecidas por populares, uma via-sacra e um santuário.

Não podíamos ter escolhido melhor local para terminarmos o dia, para encerrarmos mais uma etapa pela Estrada Nacional 2, nesta aventura fotográfica que tanto nos tem oferecido. Estamos sensivelmente a meio e em breve regressamos para mais um passo na estrada que nos liga, que liga o país.

Passo a passo, de Chaves até Faro.

PS: Não mencionamos, quase propositadamente, a paisagem que foi consumida pelos incêndios de 2017. Não vale a pena falar de coisas tristes. Contudo, ficamos surpreendidos por ver que a natureza, poderosa, começa a tratar daquilo que o Homem estragou, fazendo despontar alguma vida num pedaço de terra que ficou de luto.

One Reply to “Etapa 5: Góis-Vila de Rei”

  1. […] nesta aventura fotográfica connosco, mesmo que não seja ao nosso lado. Neste post contamos tudo o que aconteceu nesta quinta […]

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